Entre Olhares (Contos) Parte 2
14:42
Um sonho mais que perfeito.
Infelizmente, meus sonhos insistem em ocorrer nas horas mais impróprias.
Alice me trouxe de volta a realidade quando veio me entregar a conta.
- Você tá bem, Cecília? – ela perguntou com uma preocupação sincera.
- Sim – sorri amarelo. – Por quê?
- Você me parece distraída, além disso, sempre come com muito apetite, hoje mal tocou no seu sanduíche. Algum problema? O lanche não está bom? Se quiser posso mandar fazerem outro...
Coitada. Sempre tão atenciosa e prestativa. Olhando para aquele rosto tão marcado pelo tempo e, ainda assim, ainda rico em beleza, não tive outra solução a não ser pegar o sanduíche e morde-lo. Mastiguei aquela junção de ingredientes forçosamente apenas para agradá-la, pois minha fome já não existia.
- Tá muito gostoso, Alice. Eu é que estou um pouco distraída hoje, as provas estão chegando e tô um pouquinho preocupada.
Ela alargou o sorriso dizendo antes de se afastar:
- Ora, menina, você não precisa se preocupar. Dê o seu melhor e será recompensada.
Olhei para o relógio no meu pulso.
14:44
Atrasada.
Sim, o sonho...
Sei que estão se perguntando a respeito dele.
Bem, eu estava sonhando com uma mulher. E', é isso mesmo! Sapa, sapinha da Silva desde que me conheço por gente e, infelizmente, nenhum pouco aceita pela família. Mas, aposto que isso não as surpreende, aceitação na família é sempre complicado e muitas vezes impossível. Leva um tempo e, às vezes, nenhum.
Então saí de casa aos dezoito anos apenas com a roupa do corpo e documentos. Vivi por um tempo com uma amiga, até conseguir passar no vestibular e vir para cá. Portanto, aos vinte e dois anos de idade trabalho para me sustentar e conseguir concluir os estudos.
Okay, voltando ao sonho...
Ela se chama Raquel, lindo nome, não acham? Olhos castanhos, boca carnuda, sorriso largo e acanhado, cabelos castanhos claros, um jeitinho sempre sério e um pouco entediado. Tem sempre um olhar um pouco ausente. Ela é magra, elegante na maneira de se locomover, sorrir, falar. Tem, pelo menos, quinze centímetros de altura a mais que eu. E', mamãe esqueceu de me dar um pouquinho mais de fermento, então baixinha até a morte.
Assim que saio da universidade faço um lanche antes de ir para o trabalho, sempre na mesma lanchonete que fica no caminho para o shopping onde trabalho. Foi lá que a vi pela primeira vez, aliás, foi lá onde todos os nossos “encontros” ocorreram.
Quando a vi pela primeira vez, algo em seu olhar, em seu semblante entediado me chamou a atenção. Então, me vi perdida por segundos intermináveis naquele olhar castanho cheio de um brilho ofuscante e atraente.
Sorri involuntariamente, timidamente e procurei fugir dela... Foi, no mínimo, perturbador, mas também foi encantador. Dá pra entender? E', acho que não, mas foi o que senti.
Depois de duas semanas de troca de olhares intensos ela literalmente me atropelou com o corpo e o poder do seu beijo. Difícil mesmo foi me afastar dela, ir trabalhar e voltar pra casa sozinha... Queria saber tudo sobre ela e beber mais um pouco do mel em seus lábios.
14:49
Pedi que não se atrasasse mais.
Acho que no fim, tudo não passou de um sonho, uma ilusão de minha parte. Saio contando os passos, o coração na mão, mil hipóteses do que poderia ter acontecido bailando em minha cabeça, mas o trabalho me espera.
- Com licença, poderia me ajudar?
Aquela voz invadiu meus ouvidos como uma doce melodia.Voltei-me e Raquel estava parada diante de mim com um buquê de flores em uma das mãos e o que parecia ser um envelope na outra.
- Claro... – gaguejei um pouco ao responder.
Não sabia se me escondia por trás do balcão ou dava pulos insanos de alegria assim como meu coração fazia dentro do peito.
- Como...?
- Eu quero um perfume.
Sorri um pouco acanhada. Ela me fitava com intensidade.
- Sim, claro. E que tipo de perfume deseja? – esforcei-me para dizer.
- Um especial. E' para uma mulher. Provavelmente a mulher com quem irei partilhar o resto da minha vida! – sorriu.
Quase engasguei com a revelação, o coração se desfazendo em pó dentro do peito. Ela tinha namorada. Engoli em seco e afastei a vontade de chorar.
- Sabe o tipo de perfume que ela prefere? – perguntei.
Ela sorriu iluminando tudo a sua volta.
- Não. Na verdade esperava que você me ajudasse nisso.
- Ah, sim, claro... Muitos clientes tem dificuldade em escolher um perfume para presentear.
- Isso! Sou péssima em escolher presentes. Mas acho que você pode me ajudar.
- Prometo me esforçar – sorri amarelo.
- ”timo! Poderia fechar os olhos, por favor? – ela pediu.
- O quê? – não consegui esconder a surpresa em minha voz.
- Por favor!
A contra gosto obedeci, fechei os olhos e ela começou a falar baixo e pausadamente:
- Imagine uma mulher de gestos simples, um olhar meigo e penetrante, um sorriso tímido e encantador. O mundo se ilumina quando ela passa, seu olhar lhe rouba o ar, seu sorriso acelera seus batimentos cardíacos, suas mãos tremem com sua proximidade... Em seus sonhos mais bonitos ela está sempre presente preenchendo tudo em você com amor e não há um dia desde que a conheceu que não sonhe com o sabor dos seus beijos...
Eu tremia, esforçava-me para me conter, mas aquela voz aveludada invadia a minha alma preenchendo todo o vazio que sentia, me deixando entregue...
- Imaginou? – ela perguntou por fim.
- Sim...
- ”timo, agora abra os olhos e escolha o perfume que daria a essa mulher...
A obedeci, mas quando meus olhos se abriram ela não estava mais lá. Sobre o balcão estava o envelope e o buquê. Abri o envelope com mãos trêmulas, dentro havia um bilhete e um cartão de credito.
“Escolha o perfume que preferir e use-o hoje à noite. Estarei esperando-a ansiosa no lugar de sempre para levá-la para jantar às nove horas.
Beijos.
Raquel.
PS: Não se atrase”
Sorri encantada com a certeza de que a veria naquela noite e não me atrasaria nenhum segundo para encontrar a felicidade em seus braços.
Um sonho mais que perfeito.
Infelizmente, meus sonhos insistem em ocorrer nas horas mais impróprias.
Alice me trouxe de volta a realidade quando veio me entregar a conta.
- Você tá bem, Cecília? – ela perguntou com uma preocupação sincera.
- Sim – sorri amarelo. – Por quê?
- Você me parece distraída, além disso, sempre come com muito apetite, hoje mal tocou no seu sanduíche. Algum problema? O lanche não está bom? Se quiser posso mandar fazerem outro...
Coitada. Sempre tão atenciosa e prestativa. Olhando para aquele rosto tão marcado pelo tempo e, ainda assim, ainda rico em beleza, não tive outra solução a não ser pegar o sanduíche e morde-lo. Mastiguei aquela junção de ingredientes forçosamente apenas para agradá-la, pois minha fome já não existia.
- Tá muito gostoso, Alice. Eu é que estou um pouco distraída hoje, as provas estão chegando e tô um pouquinho preocupada.
Ela alargou o sorriso dizendo antes de se afastar:
- Ora, menina, você não precisa se preocupar. Dê o seu melhor e será recompensada.
Olhei para o relógio no meu pulso.
14:44
Atrasada.
Sim, o sonho...
Sei que estão se perguntando a respeito dele.
Bem, eu estava sonhando com uma mulher. E', é isso mesmo! Sapa, sapinha da Silva desde que me conheço por gente e, infelizmente, nenhum pouco aceita pela família. Mas, aposto que isso não as surpreende, aceitação na família é sempre complicado e muitas vezes impossível. Leva um tempo e, às vezes, nenhum.
Então saí de casa aos dezoito anos apenas com a roupa do corpo e documentos. Vivi por um tempo com uma amiga, até conseguir passar no vestibular e vir para cá. Portanto, aos vinte e dois anos de idade trabalho para me sustentar e conseguir concluir os estudos.
Okay, voltando ao sonho...
Ela se chama Raquel, lindo nome, não acham? Olhos castanhos, boca carnuda, sorriso largo e acanhado, cabelos castanhos claros, um jeitinho sempre sério e um pouco entediado. Tem sempre um olhar um pouco ausente. Ela é magra, elegante na maneira de se locomover, sorrir, falar. Tem, pelo menos, quinze centímetros de altura a mais que eu. E', mamãe esqueceu de me dar um pouquinho mais de fermento, então baixinha até a morte.
Assim que saio da universidade faço um lanche antes de ir para o trabalho, sempre na mesma lanchonete que fica no caminho para o shopping onde trabalho. Foi lá que a vi pela primeira vez, aliás, foi lá onde todos os nossos “encontros” ocorreram.
Quando a vi pela primeira vez, algo em seu olhar, em seu semblante entediado me chamou a atenção. Então, me vi perdida por segundos intermináveis naquele olhar castanho cheio de um brilho ofuscante e atraente.
Sorri involuntariamente, timidamente e procurei fugir dela... Foi, no mínimo, perturbador, mas também foi encantador. Dá pra entender? E', acho que não, mas foi o que senti.
Depois de duas semanas de troca de olhares intensos ela literalmente me atropelou com o corpo e o poder do seu beijo. Difícil mesmo foi me afastar dela, ir trabalhar e voltar pra casa sozinha... Queria saber tudo sobre ela e beber mais um pouco do mel em seus lábios.
14:49
Pedi que não se atrasasse mais.
Acho que no fim, tudo não passou de um sonho, uma ilusão de minha parte. Saio contando os passos, o coração na mão, mil hipóteses do que poderia ter acontecido bailando em minha cabeça, mas o trabalho me espera.
- Com licença, poderia me ajudar?
Aquela voz invadiu meus ouvidos como uma doce melodia.Voltei-me e Raquel estava parada diante de mim com um buquê de flores em uma das mãos e o que parecia ser um envelope na outra.
- Claro... – gaguejei um pouco ao responder.
Não sabia se me escondia por trás do balcão ou dava pulos insanos de alegria assim como meu coração fazia dentro do peito.
- Como...?
- Eu quero um perfume.
Sorri um pouco acanhada. Ela me fitava com intensidade.
- Sim, claro. E que tipo de perfume deseja? – esforcei-me para dizer.
- Um especial. E' para uma mulher. Provavelmente a mulher com quem irei partilhar o resto da minha vida! – sorriu.
Quase engasguei com a revelação, o coração se desfazendo em pó dentro do peito. Ela tinha namorada. Engoli em seco e afastei a vontade de chorar.
- Sabe o tipo de perfume que ela prefere? – perguntei.
Ela sorriu iluminando tudo a sua volta.
- Não. Na verdade esperava que você me ajudasse nisso.
- Ah, sim, claro... Muitos clientes tem dificuldade em escolher um perfume para presentear.
- Isso! Sou péssima em escolher presentes. Mas acho que você pode me ajudar.
- Prometo me esforçar – sorri amarelo.
- ”timo! Poderia fechar os olhos, por favor? – ela pediu.
- O quê? – não consegui esconder a surpresa em minha voz.
- Por favor!
A contra gosto obedeci, fechei os olhos e ela começou a falar baixo e pausadamente:
- Imagine uma mulher de gestos simples, um olhar meigo e penetrante, um sorriso tímido e encantador. O mundo se ilumina quando ela passa, seu olhar lhe rouba o ar, seu sorriso acelera seus batimentos cardíacos, suas mãos tremem com sua proximidade... Em seus sonhos mais bonitos ela está sempre presente preenchendo tudo em você com amor e não há um dia desde que a conheceu que não sonhe com o sabor dos seus beijos...
Eu tremia, esforçava-me para me conter, mas aquela voz aveludada invadia a minha alma preenchendo todo o vazio que sentia, me deixando entregue...
- Imaginou? – ela perguntou por fim.
- Sim...
- ”timo, agora abra os olhos e escolha o perfume que daria a essa mulher...
A obedeci, mas quando meus olhos se abriram ela não estava mais lá. Sobre o balcão estava o envelope e o buquê. Abri o envelope com mãos trêmulas, dentro havia um bilhete e um cartão de credito.
“Escolha o perfume que preferir e use-o hoje à noite. Estarei esperando-a ansiosa no lugar de sempre para levá-la para jantar às nove horas.
Beijos.
Raquel.
PS: Não se atrase”
Sorri encantada com a certeza de que a veria naquela noite e não me atrasaria nenhum segundo para encontrar a felicidade em seus braços.
Continua..........